Não é preciso acontecer uma tragédia para mudar!

Tenho sonhos estranhos, mas que são respostas para minhas indagações.


Estava indo de mototáxi para o trabalho quando acontece um acidente, um carro grande bate na moto em que estou e eu sou atingida diretamente. Ao cair fico consciente, mas não consigo abrir os olhos, nem sentir nada. Ouço as pessoas dizendo que estou praticamente morta, toda ensaguentada, quebrada dos pés à cabeça. Sinto me levando para o hospital. Sinto ser atendida. Sinto o cheiro do hospital. Sinto ser operada. E ouço o médico falar para minha irmã que estou com 18 fraturas e foram colocados 8 pinos em todo o meu corpo, pernas, braços, clavícula, costela e mãos.
Abro os olhos e estou na minha casa, em uma cama grande, toda cheia de ferro no corpo, enfaixada e sem voz. Não consigo falar. Ouço dizer que quebraram minhas cordas vocais, mas foi operada e com o tempo vou voltar a falar. Não sinto nada no meu corpo. Nenhuma dor, nem desconforto, nem angústia. Não ouço as batidas do meu coração, como normalmente sinto.
Tento olhar ao meu redor. Vejo algumas coisas minhas e muitos remédios, muitos exames, e minhas bonecas junto com flores perto da cama.
A sensação de impossibilidade de me mexer me dá uma angústia do que vou ser a partir de agora. Tudo vai mudar. Tudo mudou. Fecho os olhos e começo a pensar o que vou ser agora para minha família, para meus filhos, para meus amigos. Não vou poder mais trabalhar. Não vou poder mais lutar para sustentar meus filhos. Não vou poder mais fazer nada.
Começo a pensar em Deus e como ele é misericordioso me mantendo viva, mesmo sem utilidade nenhuma. E sem utilidade o que eu vou ser, Meu Deus? O que vou fazer para as pessoas me amarem? O que vou me tornar para todo mundo? E as contas que devo? E o futuro dos meus filhos? E meus pais e meu irmão que precisam sempre de ajuda? O que eu era antes de tudo isso? Será que eu já fui um dia essencial para as pessoas que amo? Será que alguém vai sentir minha falta? Será que sou merecedora do amor das pessoas que me cercam?
Tento me mexer, mas não consigo sentir nada. Estou me sentindo só espírito, meu corpo não existe mais. Abro os olhos e vejo as pessoas me olhando com pena, chorando por me ver daquele jeito. Olho para baixo e vejo meu corpo franzino, magro, frágil, como o do meu pai. Parece que perdi uns 40Kg, vejo meus ossos, viro para o lado e vejo meu rosto cadavérico, sem carne, sem bochechas, só os ossos da face aparecendo. Fecho os olhos de novo e começo a lembrar das festas que já fui, dos bares que frequentei, dos homens que me apaixonei, das histórias de amor, as platônicas e as verdadeiramente vividas e tive a certeza de que não ia mais ter tudo aquilo, não ia mais ser interessante para homem nenhum, que não ia despertar nenhum sentimento dos outros além de pena. Vi que os únicos que me amavam eram a minha família que estava ali pertinho de mim, cuidando do que havia restado do meu corpo, cuidando para minha alma não ir embora, porque eles queriam muito que eu ficasse viva ali, mesmo inerte, sem mexer um dedinho sequer.
Eu tentava falar, saía um grunhido da minha garganta e pela primeira vez eu sentia dor. Graças a Deus eu sinto dor, pensei, então ainda estou viva. Então comecei a tentar mexer minha mão, e doía. Mexer os pés, e doía. Mexer a cabeça e doía. E toda dor que sentia me deixava feliz e me trazia uma paz imensa, porque a dor é sinônimo de saúde, é sinal de que meu corpo está vivo, de que eu ainda pertenço ao mundo, de que eu preciso lutar.

De olhos marejados eu acordei, nada doía além do coração, olhei para o lado, ainda estava na minha caminha quebrada, no meu quartinho quente e com minhas coisas bagunçadas. Minha família dormia em paz. Eu estava inteira, nenhum arranhão eu tinha em meu corpo. Estava gorda, cheia de carne na face. Estava viva, com saúde e força necessárias para trabalhar, para lutar, para cuidar dos meus.

Então eu vi o quanto sou feliz!!!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A história da menina do pé quebrado

A felicidade bestializa, só o sofrimento humaniza as pessoas ”... Mário Quintana.

Diálogo entre Rei e Rainha