Como é bom ter o amanhã
2004
Ano de intensos desejos, fortes decisões, definição de caminho.
Nesse tempo eu tinha o orgulho, o egocentrismo e a vaidade como guias.
Meus pensamentos eram lotados de sonhos, meu coração era lotado de desejos, minhas ações eram lotadas de força de vontade.
Tinha todas as qualidades necessárias para vencer. Tinha todos os requisitos para alcançar o sucesso profissional, pessoal, intelectual. Tinha o mundo em minhas mãos.
Em minhas agendas sempre releio tudo o que pensava nesses momentos. E nesse momento estava vivendo o sonho de amor que pedia a Deus em minhas orações:
"Pai, quero amar com todas as minhas forças, com todo o meu entendimento, com toda intensidade e ser amada do mesmo jeito."
Nesse ano tive todos os meus sonhos realizados como um toque de mágica. E tudo era perfeito.
Tudo era perfeito na minha santa ignorância.
Em minhas prioridades de menina inocente e egoísta eu só desejava o que era melhor pra mim, só buscava a minha satisfação, só lutava pelo meu bem estar, minha saciedade, meus desejos realizados.
E eu conseguia tudo.
Incrível como ainda lembro com tristeza todas as mais doces conquistas. Ilusórias, fúteis, vazias.
Mas não tinha noção de que tudo era nocivo. Não entendia como viver para si era tão inútil e desnecessário. E nem mesmo compreendia que minha teimosia me emperrava num lamaçal de idiotias.
Eu costumo olhar pra essa foto e me ver tão linda por fora e tão podre por dentro. Eu não ajudava ninguém e esperava tudo de todos que me amavam. Eu não sabia retribuir favores com amor, só por obrigação. Eu julgava e condenava tudo o que não fazia parte dos meus interesses. Eu não cedia. Corria atrás do que gostava, trabalhava muito, como hoje, pra ter o meu sustento e meus desejos materiais, e trabalhava para galgar uma profissão firme no futuro. Meus sonhos sempre foram bonitos. Lindos. Mas foram em vão.
Existia sim, um vazio, um espaço negro e frio no meu coração, mas eu não sabia o que era e procurava ocupá-lo com coisas materiais, com chocolate, com diversão, com pequenas loucuras, com coisas tolas. Meus vícios sempre foram lícitos e admiráveis: chocolate, diversão, leitura, escrita. Mas me aprisionaram numa parte da vida que tapava os lados, moldava meus passos, tornava turva a jornada.
Sim! Eu gosto, sim, de falar do meu passado. Pra nunca mais voltar a ser como antes. Pra procurar ensinar a alguém que me leia que o mundo não gira em torno do seu próprio umbigo. Pra dizer que todos nós podemos mudar um dia.
E mudamos, pelo amor ou pela dor.
Mudei pela dor. Pela mais dolorida experiência da alma. Mas mudei.
E agradeço a todo instante pela chance de mudar.
E quero sempre ter a chance de aprender a ser melhor.
E espero que nada se cristalize mais na minha alma.
Como é bom ter o amanhã.
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