E se dinheiro eu tivesse?

E eu sonhei ganhando 200.000.000,00 num prêmio da mega sena. Quando acordei estava eufórica com a nova vida e os milhares de planos que tinha para perpetuar uma riqueza instantânea dessas.
Ou trocando em miúdos: Quando recebia a bolada, que não conseguia imaginar a dimensão dela em moedinhas de 0,50, eu deixava guardada na conta da Caixa que a gerente tinha deixado, fiquei dias e dias pensando o que fazer, apesar de querer luxar na mesma hora. Em silêncio peguei o número da conta de cada um de meus irmãos, um a um, anotando na minha cadernetinha. Depois chamava três dos 11 irmãos para me acompanharem a Caixa, Neto, contador, Norma, bancária da Caixa e Jesus bancário do BB, e numa sala, a sala bem fria, eu contava para eles e pedia que cada um cuidasse de uma parte dos meus sonhos.
E disse tim tim por tim tim:
Norma: divida 1.000.000 na conta de cada um de meus irmãos, inclusive a sua. Sendo que programado, 500.000 agora e 500.000 daqui a 24 meses. E 5.000.000 na conta do papai e 5.000.000 na conta da mamãe.
Jesus: avalie 16 casas grandes para mim, todas bem acabadas, mobiliadas e de boa localização. Divida em 4 imobiliárias e me deixe a par de todas, quero depois vê-las uma a uma, com suas respectivas escrituras, feitas em meu nome com herança para meus filhos. Depois faça planos de previdência para todos os meus primos de primeiro grau, tias, tios e sobrinhos, listando um por um para eu ver. A família é grande.
Neto: faça inventário de tudo o que sair daqui. A contabilidade simples e clara a partir de agora. Registre firma com meu nome e prepare os documentos para uma grande creche que faremos agora na casa do Mocambinho, comprando as casas da vizinhança dos dois lados para obter um grande espaço, pois a planta eu vou fazer a tarde, hoje... E um dos meus sonhos eu quero agora, vá na Av. Campos Sales, 1459 e compre a minha casa para mim, porque sempre sonhei, deixe que dela eu cuidarei pessoalmente...
... depois eu lembrei que preciso de um advogado, ligo pra o Danilo, meu irmão, e o deixo a par de tudo, ele pega um avião pra Teresina e vem ao meu encontro. Com ele deixo a verificação de tudo, passo a responsabilidade dos documentos que preciso ter em mãos de tudo o que sair e entrar na minha rica poupancinha...
E nesse dia não pego nem um centavo de lá...
Fico perambulando na cidade com os 500,00 da quinzena que recebi... compro chocolate e fico pensando o que vou fazer com o restante dos milhões que sobraram. Penso nos amigos, nos colegas de trabalho, nos vizinhos, nos cobradores e nas crianças doentes. Ai, ligo pra Norma e peço a lista de todas as instituições de crianças de Teresina, passo 20.000 para cada... E tenho a idéia de comprar muitos brinquedos, roupas, calçados e bombons para todas elas pra eu e as crianças lá de casa entregarem numa grande festa no parque de diversões. Anoto na caderneta.
Depois lembro que ainda falta muito pra esse dinheiro acabar, e parece que mina de tanto zero. Penso que quero logo deixar ele no mundo afora, porque não vou guardar para atrair gente ruim e interesseira não. Daqui há um ano vou ficar pobre de novo e o mundo mais belo...
Penso nisso e pego um ônibus para o Mocambinho. Paro na frente da casa dos meus pais que minha vó Maria morava quando estava viva e sonho com a creche, enorme, linda, toda lúdica, limpinha, no pessoal que eu mesma vou selecionar pra cuidar de mil crianças todo dia, da alimentação, saúde, lazer e educação delas durante 5 anos para depois irem para uma escola normal, lugar para moradia de quem precisar morar no trabalho, o meu cantinho também quando quiser dormir com as minhas crianças, que já penso que serão minhas também. Sento numa cadeira com uma mesa e pego um papel e lápis e vou desenhando cada pedacinho do meu sonho, lembro de um arquiteto famoso que admiro e ligo pra ele, Ronaldo Veras, ele chega e me dá mostra de coisas lindas para um lar belo e fraterno que dure muitos anos para mil crianças serem felizes. E a minha vida corre, como no filme click, vejo tudo sendo derrubado e uma mansão sendo erguida, as casas dos vizinhos sendo derrubadas de um lado e do outro, e a do fundo também, carros para transportar as crianças, camas, redes, tapetes, brinquedos, quadros, pratos, copos e jarras, móveis, eletrodomésticos, cadeiras, banheiros... enfim, tudo colorido e vivo na minha frente, acontecendo ali. Tudo firme, tudo real.
Depois eu vou na minha casa da Campos Sales, negociar com o atual dono, ele reluta em vender, eu choro pra ele aceitar, do preço que pedir, o Danilo não deixa, oferece 200.000, ele aceita feliz. Então eu pego uma caneta, um papel e começo a desenhar a minha casa, naquele lugar onde nasci, onde tive minha infância feliz. Faço canto por canto, com o jardim que tinha lá e foi destruído quando saímos, com o quintal de cerca, com o munturo do papai, só que enfeitado com coisas ecológicas e não tralhas de construção que era. Com a casinha de boneca tamanho gigante, que eu não tinha, mas sonhava em ter ali. com meu escritório, com minha biblioteca, videoteca e meu quarto aconchegante, tranquilo, cheio de ursinhos de pelúcia.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A história da menina do pé quebrado

A felicidade bestializa, só o sofrimento humaniza as pessoas ”... Mário Quintana.

Diálogo entre Rei e Rainha