A segunda caixinha

 O marceneiro sr. Chico, gostava muito de pegar restos de madeira e fazer souvenirs para os visitantes da grande floresta. Desde quando começou o Reino de Pii ele vivia sonhando com o dia daquele lugar se tornar um parque florestal, com cabanas de madeira, feirinhas de produtos naturais, guias turísticos locais para acompanhar as pessoas em trilhas pela parte mais linda da floresta.

Um certo dia, sr Gerard, grande amigo de infância de sr Chico pediu um pequeno favor:

- Chico, faz um baú em miniatura pra mim. Quero presentear meu filho, no aniversário dele, ele merece. Está trabalhando muito construindo a grande fábrica, não tem tempo pra nada, precisa conversar com colaboradores do mundo inteiro, fica até de madrugada acordado fechando negócio, tem que esperar as máquinas e mercadorias chegarem a qualquer hora, ele mesmo tem que receber, porque não tem ninguém que saiba mais do que ele o valor de cada maquinário. 

- Mas, Gê, moço, eu nunca fiz baú... Tenho que tentar... Vou fazer um, como esboço e você me diz se ficou bom... certo?

- Certo.

E no mesmo dia, sr Chico se debruçou na marcenaria para criar um baú em miniatura bem especial para Mevi. Terminou ao amanhecer. E gostou tanto que pintou o bauzinho todo com tinta e a areia da Montanha Dourada nele todo e talhou a letra M na frente... Só que ao ver a letra ele não gostou. Ficou triste em ver seu lindo baú ser descartado por causa da letra M mal feita. Então, começou tudo de novo. E quando terminou notou que ficou igualzinho. Desistindo, ele falou com o sr Gerard para ir pegar o souvenir mais lindo que já tinha construído em sua vida. O pai de Mevi amou todos os detalhes e foi entregar pro seu filho, que estava muito ocupado e quase não percebeu seu pai. Nem viu direito o presente de aniversário em cima da mesa. 

Sr Gerard foi pra casa, mas a encomenda estava entregue ao dono, com um bilhete:

- Filho, eu te amo! Feliz Aniversário! Que você possa guardar a sua maior conquista aqui para contar para o seus netos e bisnetos e descendentes por toda a existência do Reino de Pii, o seu reino. Fica bem. Ass.: Papai.

Mevi tinha seu grande objetivo traçado ponto a ponto e com data de inauguração chegando perto. Em sua inteira determinação e foco jamais admitia que alguma coisa o tirasse a atenção. Nem seu pai, nem aniversário, nem sua família iam fazer ele sair dali antes de tudo acabar. O Reino de Pii dependia totalmente dele. E assim foi feito. 

Meses se passaram ali. Dias e noites naquele local. Seu escritório já havia se transformado em dormitório, refeitório, casa...

E num certo dia, tudo ficou terminado. Mevi começou a arrumar sua mesa, guardar seus papéis, anotações, esboços numa grande caixa, até ver o presente especial com o bilhete do pai. Ele chorou tanto, ficou tão emocionado e envergonhado por nunca ter agradecido o pai com tamanha lembrança do seu feito. Para Mevi o baú com sua letra se tornou seu troféu. Ele pegou o ouro que tinha guardado na gaveta, colocou dentro do baú e se envaideceu de todo o seu feito. Levou pra casa, criou um buraco embaixo de sua grande cama, colocou numa caixa com chave de 7 voltas, que guardou em outra caixa maior com cadeado de chave e segredo, que fechou com cadeado maior de chave e segredo também, cobriu com um tapete da cor do piso do quarto, afastou a cama e saiu feliz da vida, como se fosse um bom pirata que sabia guardar o seu segredo.

Sr Chico estava a trabalhar quando seu amigo sr Gerard chegou pedindo uma caixa para um grande projeto que havia planejado para a inauguração da grande fábrica. A lembrancinha que mantinha o reino, de levar um punhado de areia para cada família do Reino em homenagem ao Rei Aledy, estava fervilhando na cabeça do senhor das grandes imaginações de Pii. Quando sr Chico mostrou o protótipo do primeiro baú que sr Gerard encomendou, no mesmo instante ele teve a ideia de colocar a letra Pii na frente do bauzinho em vez de M como estava. 

Sr Gerard levou a grande ideia ao seu sobrinho, o Rei Aledy. Ele ficou muito eufórico e lisonjeado com a ideia, mas tinha que consulta seus conselheiros, que por sua vez acharam tudo isso ridículo, pois iam gastar muita areia da Montanha espalhando entre a população, já grande na época. Isso deixou sr Gerard muito triste. Ao sair do palácio, passando perto da Maternidade soube da senhora Maria que paria sua 12ª filha cesariana, uma menina linda, bem gordinha, cara redonda, cabeludinha. Ele a pegou nos braços, a ninou até ela adormecer e deu de presente o bauzinho com areia brilhosa dentro para a Menininha. Perguntou qual seria o nome dela já torcendo para ser com a letra M e soube que era Menina. Pronto, seu dia se salvou com a maior das felicidades. A última lembrança do reino, a tradição que foi encerrada naquele instante, estava nas mãos de uma Menina chamada Menina.

E foi aí que tudo começou.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A história da menina do pé quebrado

A felicidade bestializa, só o sofrimento humaniza as pessoas ”... Mário Quintana.

Origem da Família Guimarães Rocha